A carta de um condenado
Bartolomeo Vanzetti
21 de
agosto de 1927.
Da Casa
da Morte na prisão de Massachusetts.
Meu caro Dante:
Ainda
espero, e combateremos até o último momento, reivindicar o nosso direito de
vida e de liberdade, mas todas as forças do Estado e do dinheiro e reação são
implacavelmente contra nós, porque somos libertários ou anarquistas.
Escrevo
pouco a respeito disto porque és ainda muito criança para compreender estas e
outras coisas sobre as quais eu gostaria de conversar contigo.
Mas
hás de crescer e compreender o caso meu e de teu pai, os princípios meus e de
teu pai, princípios pelos quais nos vão matar dentro em pouco.
Digo-te
agora que, por tudo que sei de teu pai, ele não é criminoso, mas um dos homens
mais direitos que já conheci. Um dia compreenderás o que te estou dizendo. Que
teu pai sacrificou tudo o que há de mais caro ao coração e à alma humana pela
justiça e liberdade de todos. Nesse dia terás orgulho de teu pai, e se fores bastante
corajoso, tomarás o seu lugar na luta entre a tirania e a liberdade e vingarás
o seu (os nossos) nomes e o nosso sangue.
Se
de fato morrermos agora, saberás um dia, quando te tornares capaz de
compreender esta tragédia em toda a sua extensão, como teu pai foi bom e
corajoso contigo, teu pai e eu, durante estes oito anos de luta, tristeza,
angústia e aflição.
Desde
este instante mesmo serás bom e corajoso com tua mãe, com Inês e com Susie –
corajosa e boa Susie – e farás tudo para as consolar e ajudar.
Gostaria
também que te lembrasses de mim como camarada e amigo de teu pai, de tua mãe,
de Inês, de Susie e de ti, e te afianço que também não sou um criminoso, que
não cometi nenhum roubo nem morte, mas apenas combati modestamente para abolir
os crimes entre os homens e para defender a liberdade de todos.
Sabe,
Dante, que quem disser o contrário de teu pai e de mim, é um mentiroso a
insultar dois mortos inocentes que viveram como homens de bem. Sabe também,
Dante, que, se teu pai e eu tivéssemos sido cobardes e hipócritas e renegadores
de nossa fé, nos teríamos salvado. Não se condenaria nem mesmo um cão leproso,
não se executaria nem mesmo o escorpião mais venenoso com fundamento nas provas
que forjaram contra nós. Conceder-se-ia novo julgamento a um matricida e
criminoso relapso, se apresentasse recurso como o que apresentamos para obter
novo julgamento.
Lembra-te,
Dante, lembra-te disso; não somos criminosos; forjaram uma traça para
condenar-nos; negaram-nos um novo julgamento; e se formos executados depois de
sete anos, quatro meses e dezessete dias de indizíveis torturas e injustiças,
será pelo que já te disse; porque éramos pelos pobres e contra a exploração e
opressão do homem pelo homem.
Dia
virá em que compreenderás a causa atroz das palavras acima escritas, em toda a
sua extensão. Então nos honrarás.
Sê
sempre bom e corajoso, Dante. Abraço-te.
Bartolomeo
P.S.: Deixo o exemplar da Bíblia
Americana para tua mãe, pois ela há de gostar de lê-la e passará às tuas mãos
quando chegares à idade de a entender. Guarda-a como lembrança. O livro
testemunhará também como Mrs. Gertrude Winslow foi boa e generosa para com todos
nós. Adeus, Dante.
(em M. Lincoln SCHUSTER, As
grandes cartas da História; desde a Antiguidade até os nossos dias. Tradução de
Manuel Bandeira. São Paulo, Nacional, 1942. Páginas 519-521. Biblioteca do
Espírito Moderno. Série 3ª, volume 22.)
O autor
Bartolomeu Vanzetti era um
imigrante italiano, peixeiro, vivendo nos Estados Unidos na década de 20. Ele e
seu amigo Nicola Sacco, também imigrante, sapateiro, eram homens idealistas, de
pouca instrução. Foram líderes sindicais e anarquistas, opondo-se ao governo
dos Estados Unidos, que consideravam os anarquistas tão perigosos quanto os
comunistas.
Em
maio de 1920, Sacco e Vanzetti foram presos perto de Boston, Massachusetts.
Vanzetti, sob a acusação de ter participado de uma tentativa de assalto a um
armazém; ambos, acusados do assassinato de um pagador e de um guarda de uma
fábrica, mortos durante um assalto. O julgamento foi praticamente uma farsa:
embora a defesa tenha apresentado cerca de 107 testemunhas de que os acusados
não se encontravam no local dos crimes, eles foram condenados, depois de um
processo que durou 7 anos.
Houve
grande interesse nacional e internacional pelo caso de Sacco e Vanzetti.
Inúmeras listas, assinadas por intelectuais e pessoas importantes, protestavam
a inocência dos dois italianos, intercedendo a seu favor. De nada adiantaram:
existia um consenso segundo o qual, havendo oportunidade, todos os que se
opunham efetivamente ao sistema político vigente deviam ser condenados.
A
pena de morte foi decretada em abril e, a 23 de agosto de 1927, Sacco e
Vanzetti foram executados na cadeira elétrica.
(Adaptado de História do século 20. São Paulo,
Abril Cultural, 1974. Páginas 1239-1240.)
INTERPRETAÇÃO
DE TEXTO:
1. Logo
no início da carta, Vanzetti manifesta
uma esperança. Qual é?
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2. O
que se opõe a essa esperança? Por que?
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3. Vanzetti tem um motivo para escrever a Dante, que é
ainda uma criança. Que motivo é?
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4. Qual
é a opinião de Vanzetti sobre Sacco?
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5. O
que ele espera de Dante, em relação ao pai?
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6. O
que Vanzetti espera de Dante em relação a si mesmo?
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7. O
que ele conta a Dante sobre o julgamento e condenação dele e de Sacco?
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8. Segundo
Vanzetti, por que ele e Sacco serão condenados?
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